A história começou com um pesadelo terrível, desses que
entram pro “top 5” dos piores pesadelos da vida. “Trairagem” do meu inconsciente, que deixou
registrado bem no raso a última coisa que vi antes de dormir: um documentário
super interessante sobre o Rio Gangues na Índia, e toda a vida que gira em
torno dele. Em determinado momento, mostraram um povoado de 6 mil habitantes
onde as cobras são consideradas sagradas, e por isso são tratadas com toda
pompa e circunstância. Na Índia tem muito rato, onde tem muito rato tem muita
cobra, logo as bichas vivem soltas no meio do povo que meio que não tá nem aí
pra elas. A tal espécie “comadre” dos caras é uma tal de uma “não sei que de
monóculo” venenosíssima, que gosta de viver nos arrozais, e é responsáveis por
centenas de mortes todo ano.
Abri a porta do quarto no intuito de ver se Laís estava
coberta e vi num pânico congelante que ela dormia tranquilamente enquanto uma cobra em cima
dela se preparava pra dar o bote. Fiquei aliviada quando percebi que, ao me
ver, ela mudou de alvo e veio deslizando lentamente em minha direção. Desci as escadas vendo que ela me seguia e
quando cheguei no andar de baixo corri para atraí-la para fora. Para meu
completo terror e espanto ao chegar no andar de baixo ela passou a se
movimentar com a velocidade de um lince. Corri em outra direção com intenção de subir
em um lugar alto para fugir de seu ataque, mas só consegui dar um pulo
desajeitado e me agarrar a uma pilastra. A cobra também pulou num estilo “Anaconda”
que sinceramente, nessa hora eu podia ter desconfiado que só podia ser sonho,
mas não. Senti uma quentura no dedo mindinho do pé e percebi que ela havia
conseguido me morder e ficado agarrada no meu dedo. Nesse momento eu sabia que, se em menos de 1 hora não estivesse em um hospital, eu morreria. E deixaria Laís. Tentando sem
êxito controlar o pânico berrei por ajuda. Apareceu meu irmão mais velho que
tranquilamente tirou a cobra do meu dedo e a soltou rindo, como se eu estivesse
fazendo drama à toa, exatamente como ele fazia nas ocasiões em que eu tinha um faniquito quando um
sapo ou um morcego entravam em casa. Eu dizia que era sério, que ele tinha que chamar
meu pai e minha mãe porque eu precisava de ajuda. Chorava e pensava desesperada
em tudo que eu iria perder com minha filha se morresse quando finalmente
acordei.
No mesmo momento Laís se “materializou” em pé ao meu lado,
fazendo um gesto com a mão pra que eu chegasse para o lado pra ela ficar “de
chameguinho” comigo, como já é habitual dela. Cheguei para o lado e quando ela
se deitou eu a abracei apertado, mas do que o habitual, o suficiente para ela
me questionar aquele abraço:
- Tá com saudade mãe? Perguntou sorrindo.
Fiz que não com a cabeça. E acrescentei: - Tive um pesadelo
horrível. Tô aliviada de ter acordado.
- Quer me contar?
Contei, explicando pra ela inclusive o contexto anterior ao
sonho. Ela ouviu tudo com atenção e no fim acariciou meu rosto e meu cabelo, me deu um beijinho de
leve e disse: “- Passou tá? Foi só um sonho mãe, acabou.” Como eu faria com ela. E me abraçou com
delicadeza, me fazendo cafuné. Eu dei um beijo agradecido na sua testa e a
soltei um pouco. Ficamos as duas lado a lado de barriga pra cima e mãos dadas
olhando pro teto por uns instantes, de repente ainda olhando pro teto ela
pergunta:
- Mãe, o que é sagrado?
- O que é sagrado... O que é sagrado... Sagrado, deixa eu
ver... Deixa eu pensar em como te explicar...
Como explicar pra uma menina de 7 anos o que é sagrado?
Depois de mais uns instantes mirando o teto, tentei:
- Sagrado filha, é tudo que é mais importante pra gente. Por
exemplo, lá na Índia a vaca é considerada sagrada e por isso ninguém pode matar
a vaca pra comer, porque ela é um presente de Deus e a gente jamais mataria um presente né? Sagrado é tudo que a gente
considera um presente de Deus pra gente. Entendeu?
Ela fez que sim com a cabeça, me abraçou de novo e disse: -
Entendi. Você é sagrada pra mim mamãe. Você e o papai. Muito, muito sagrados. O
que eu tenho de mais sagrado.
E esse amor é o que eu tenho de mais sagrado no mundo.
Manasa: deusa hindu das cobras, adorada principalmente para a prevenção e cura de picada de cobra e também para a fertilidade e prosperidade. |
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